quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Trecho de ''Anjos da Desolação'' - Jack Kerouac

''À noite na escrivaninha da cabana eu vejo meu reflexo na janela preta, um homem de rosto áspero com uma camisa em frangalhos, com a barba por fazer, de testa franzida, labiado, oculado, cabelado, narigado, orelhado, manusado, pescoçado, pomo-adamizado, sobrancelhado, um reflexo com 7000000000000000 anos-luz de escuridão infinita assolado pela luz arbitrária de uma ideia limitada, e mesmo assim tem um brilho no olho e eu canto canções obscenas sobre a lua no becos de Dublin, sobre vodca hoy hoy, e depois a triste canção do México com o sol se pondo por cima das rochas sobre amor, corazón e tequila - a minha escrivaninha está atulhada de papéis, é bonito olhar de olhos meio fechados para o delicado entulho leitoso de papéis empilhados, como um velho sonho com a imagem de papéis, que nem papéis empilhados em cima da mesa de um desenho animado, que nem a cena realista de um velho filme russo, e a lamparina a óleo ensombrencendo alguns pela metade - E olhando para o rosto vermelho do sol e os lábios vermelhos e a barba de uma semana eu penso: 'Precisa coragem pra viver e enfrentar este impasse férreo de morra-seu-trouxa? Nah, no fim das contas não importa''

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