sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Ensaios Fotográficos - Manuel de Barros


Difícil fotografar o silêncio.
Entretanto tentei. Eu conto:
Madrugada a minha aldeia estava morta.
Não se ouvia um barulho, ninguém passava entre as casas.
Eu estava saindo de uma festa.
Eram quatro da manhã.
Ia o Silêncio plea rua carregando o bêbado.
Preparei minha máquina.
O silêncio era um carregador?
Estava carregando um bêbado.
Fotografei esse carregador.
Tive outras visões naquela madrugada.
Preparei minha máquina de novo.
Tinha um perfume de jasmim no beiral do sobrado.
Fotografei o perfume.
Vi uma lesma pregasa na existência mais do que na pedra.
Fotografei a existência dela.
Vi ainda um azul-perdão no olho de um mendigo.
Fotografei o perdão.
Olhei uma paisagem velha a desabar sobre uma casa.
Fotografei o sobre.
Foi difícil fotografar o sobre.
Por fim eu enxerguei a Nuvem de calça.
Representou pra mim que ela andava na aldeia de braços com Maiakóvski - seu criador.
Fotografei a Nuvem de calça e o poeta.
Ningué outro poeta no mundo faria roupa mais justa para cobrir sua noiva.
A foto saiu legal.