segunda-feira, 23 de maio de 2011

Da Solidão - Cecília Meireles

Estarei só. Não separada, não evadida.
Pela natureza de ser só.

No entanto, a multidão tem sua música,
seu ritmo, seu calor,
e deve ser uma felicidade, às vezes,
ser na multidão o que o peixe é no oceano.
Ah! mas quem sabe das solidões que haverá nessas águas enormes!

Estarei só. Recordarei essas cidades, esses tempos.
Recordarei esses rostos. Pode ser que recorde
alguma palavra.
Nada perturbou o meu estar só. Por vezes, com o rosto nas mãos,
pode ser que sentisse como os desertos amontoavam suas areias
entre meu pensamento e o horizonte.
Mas o deserto tem sua música,
seu ritmo, seu calor.

Era uma solidão que outrora levava nos dedos,
como a chave do silêncio. Uma solidão de infância
sobre a qual se podia brincar, 
como sobre um tapete.
Uma solidão que so podia ouvir, como quem olha para as árvores,
onde há vento.
Uma solidão que se podia ver, provar, sentir,
pensar, sofrer, amar,
uma solidão como um corpo, fechado sobre a noção que temos de nós:
como a noção que temos de nós.

E andava, e sorria, cumprimentava e fazia discursos,
dava autógrafos, abria a janela, conhecia gavetas,
chaves, endereços, comprava, lia,
recordava, sonhava,
às vezes pensava - Solidão - e logo seguia,
tinha até dinheiro comigo, tinha palavras, também,
que escolhia, dava, usava, recusava...

Solidão - dizia: fechava a tarde de mil portas,
andava por essas fortalezas da noite,
essas escadas, essas plataformas, essas pedras...
E deitava-me sobre o mar, sobre as florestas,
deitava-me assim - aldeias? cidades?
O sono é um límpido deserto - deitava-me nos ares,
onde quer que estivesse deitada.

Deitava-me nessas asas. Ia para outras solidões.

Se me chamares, responderei, mas serei solidão.
Serei solidão, se me esqueceres ou lembrares.
Qualquer coisa que sintas por mim, eu te retribuirei:
como o eco.
Mas és tu que vens e volta:
a tua solidão e a minha solidão.

2 comentários:

Geison Sommer disse...

Tão lindo, tão solitário...

Mas eu vejo uma ponta de liberdade nesse iceberg de solidão...

Bju, saudade lali

Flor de Lis disse...

Uma diva Cecília, soube expressar como ninguém a alma da mulher liberta e solitária. Sendenta de espaço, uma feminista, e ao mesmo tempo a espera do príncipe encantado... é o caos que vive a mulher liberta nestes tempos modernos... saudade também sr do chapéu