segunda-feira, 30 de maio de 2011

Solilóquio do Caladinho - Carlos Drummond de Andrade

''Eu não sei o que diga
se me falam na rua.
Não estou preparado
para conversa-no-ar.

Não sei fazer visita
e dizer as amenas
frases que a gente
traz no bolso da calça.

A mentira é difícil
e não por ser mentira:
porque exige da gente
a arte de inventar.

A alegria é difícil
de se manifestar,
não por ser alegria.
Porque é forte demais.
O sofrimento é fácil
de se exigir na face.
Tudo dói, tudo queima
sem fósforo aparente.

Os parentes me falam
uma língua só deles.
Eu entendo a linguagem
das pedaras da família.

Tudo é mais complicado
se se tenta explicar.
Um gato me fitou,
percebi tudo: nada!"

domingo, 29 de maio de 2011

trecho de "Feliz Ano Velho" - Marcelo Rubens Paiva


"Eu adoro crianças. Tudo simples, sem muitas perguntas, e sacando um montão de coisas que nós, adultos, nem reparamos (ou temos vergonha de reparar). Criança não tem vergonha de mostrar que é carente, que precisa de carinhos, se preocupa mais com os outros, principalmente se for doente. Numa boa, sem fazer cara de drama, sem sentimentalismo barato."

sexta-feira, 27 de maio de 2011

58 - Cecília Meireles

''Ando tão agradecida
que até meu lábio está mudo,
como flor maravilhada...

Não porque eu saiba tudo:
porém, apenas, apenas,
porque - ó Vida, Vida, Vida -
como todas as morenas,
não preciso saber nada...''

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Da Solidão - Cecília Meireles

Estarei só. Não separada, não evadida.
Pela natureza de ser só.

No entanto, a multidão tem sua música,
seu ritmo, seu calor,
e deve ser uma felicidade, às vezes,
ser na multidão o que o peixe é no oceano.
Ah! mas quem sabe das solidões que haverá nessas águas enormes!

Estarei só. Recordarei essas cidades, esses tempos.
Recordarei esses rostos. Pode ser que recorde
alguma palavra.
Nada perturbou o meu estar só. Por vezes, com o rosto nas mãos,
pode ser que sentisse como os desertos amontoavam suas areias
entre meu pensamento e o horizonte.
Mas o deserto tem sua música,
seu ritmo, seu calor.

Era uma solidão que outrora levava nos dedos,
como a chave do silêncio. Uma solidão de infância
sobre a qual se podia brincar, 
como sobre um tapete.
Uma solidão que so podia ouvir, como quem olha para as árvores,
onde há vento.
Uma solidão que se podia ver, provar, sentir,
pensar, sofrer, amar,
uma solidão como um corpo, fechado sobre a noção que temos de nós:
como a noção que temos de nós.

E andava, e sorria, cumprimentava e fazia discursos,
dava autógrafos, abria a janela, conhecia gavetas,
chaves, endereços, comprava, lia,
recordava, sonhava,
às vezes pensava - Solidão - e logo seguia,
tinha até dinheiro comigo, tinha palavras, também,
que escolhia, dava, usava, recusava...

Solidão - dizia: fechava a tarde de mil portas,
andava por essas fortalezas da noite,
essas escadas, essas plataformas, essas pedras...
E deitava-me sobre o mar, sobre as florestas,
deitava-me assim - aldeias? cidades?
O sono é um límpido deserto - deitava-me nos ares,
onde quer que estivesse deitada.

Deitava-me nessas asas. Ia para outras solidões.

Se me chamares, responderei, mas serei solidão.
Serei solidão, se me esqueceres ou lembrares.
Qualquer coisa que sintas por mim, eu te retribuirei:
como o eco.
Mas és tu que vens e volta:
a tua solidão e a minha solidão.

domingo, 22 de maio de 2011

Concerto (Cecília Meireles a Mário Quintana)

Dentro do perfume vamos:
perfume da noite,
perfume da rua,
jardim de perfume,
perfume de casa,
perfume de incenso.
Dentro do perfume vamos.

Entre alvores nos sentimos:
alvores de salas,
alvores de panos,
êxtases de alvores,
alvores de teclas,
alvores de tempo...
Entre alvores nos sentimos.

Dentro da música estamos:
música de cordas,
música de outrora,
- âmago da música -
música de agora,
música infinita:
dentro da música estamos.

Mortais mas eternos somos:
eternos em alma,
eterno de gostos,
em mistério eternos,
eternos sonoros,
eternos, eternos,
- mortais e eternos já somos.

Tão longe estávamos, antes,
tão longe na terra,
tão longe em cegueira,
estranhos, tão longe,
tão longe e sem nome,
tão longe e sem rosto,
tão longe estávamos antes!

Agora, porém, sabemos:
sabemos um perfume,
sabemos esta casa,
que música sabemos!
sabemos de outros mundos,
sabemos de tudo e de todos...
Pra sempre sabemos."

domingo, 8 de maio de 2011

RECORDO AINDA (do meu poeta dos bancos de Porto Alegre, agradeço minha mãe por nos ter apresentado)





Recordo ainda... e nada mais me importa...
Aqueles dias de uma luz tão mansa
Que me deixavam, sempre, de lembrança,
Algum brinquedo novo à minha porta...

Mas veio um vento de Desesperança
Soprando cinzas pela noite morta!
E eu pendurei na galharia torta
Todos os meus brinquedos de criança...

Estrada afora após segui... Mas, aí,
Embora idade e senso eu aparente
Não vos iludais o velho que aqui vai:

Eu quero os meus brinquedos novamente!
Sou um pobre menino... acreditai!...
Que envelheceu, um dia, de repente!...

Mario Quintana