quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

A Veranista - A. Tchékhov

   Liôlia N.N., uma loura bonitinha de uns 20 anos, está de pé com o queixo apoiado na cerca na casa de campo. O descampado, as nuvens em flocos no céu, a estação ferroviária, que se destaca escura ao longe, o riacho que corre a dez passos da cerca - tudo está banhado pela luz da lua que se ergue atrás do monte. O ventinho, por falta do que fazer, encrespa o riacho e faz murmurar a relva... Paira o silêncio em todo o redor... Liôlia está pensativa... Seu rostinho bonito está triste, seus olhos estão escuros de tanta angústia, que seria indelicado e cruel não partilhar a sua dor.
   Ela compara o presente ao passado. No ano anterior, nesse mesmo mês de maio, perfumado  e poético, ela estava no colégio e fazia as provas finais. Recordava-se do momento em que  a orientadora da classe, Mle Morceau, uma criatura apagada, enferma e terrivelmente ignorante, co um rosto eternamente assustado e um enorme nariz suado, levava as formandas para tirar retrato.
   - Ah, eu lhe imploro - pedia à secretária do estúdio -, não mostre a elas retratos de homens!
   Ela fazia esse pedido com lágrimas nos olhos. Aquela pobre lagartixa, que nunca conheceu homem algum, era dominada por um terror sagrado quando via uma fisionomia masculina. Nos bigodes e barbas de cada "demônio" ela conseguia perceber a boa-aventurança do paraíso que irremediavelmente leva ao abismo desconhecido, de onde não há saída.
   As internas riam da tola Morceau, mas, impregnadas de "ideais", não deixavam de partilhar seu terror sagrado. Elas acreditavam que, fora das paredes do colégio, além dos paizinhos catarrentos e dos irmão que faziam o serviço militar, havia em profusão poetas descabelados, pálidos cantores, escritores sarcásticos cheios de fel, patriotas desesperados, milionários podres de ricos, advogados de defesa eloquentes e terrivelmente interessantes... Bastaria olhar para essa fervilhante multidão e escolher. Liôlia, em particular, estava convencida de que ao sair do colégio ela iria fatalmente topar com heróis de Turguêniev e outros, com lutadores em prol da verdade e do progresso, de que tratam todos os romances e até mesmo todos os manuais de história - a antiga, a medieval e a moderna...
   Agora, neste mês de maio, Liôlia já é uma mulher casada. Seu marido é bonito, rico, jovem, formado, é respeitado por todos, mas, apesar disso (dá vergonha reconhecer isso num mês tão poético como maio!), ele é tosco, não lapidado e absurdo, como quarenta mil de seus semelhantes, igualmente absurdos.
   Ele acorda exatamente às dez da manhã, veste roupão e se senta para fazer a barba. Barbeia-se com uma expressão preocupada, com sentimento, como se estivesse inventando o telefone. Terminada a barba, ele bebe águas especiais, também com cara preocupada. Depois, vestido numa roupa cuidadosamente limpa e passada, ele beija a mão da esposa e vai em sua própria carruagem para o trabalho na Sociedade de Seguros. O que ele faz na "sociedade", Liôlia não sabe. Se ele somente copia papéis, se faz projetos inteligentes, ou quem sabe, até lida com os destinos da "sociedade", Liôlia não sabe dizer. Às quatro horas ele chega do trabalho e, queixando-se do cansaço e da transpiração, troca a roupa-branca. Depois senta-se para almoçar. Durante o almoço, ele como muito e conversa. Prefere falar sobre assuntos elevados. Soluciona as questões femininas e as financeiras, xinga, por algum motivo, a Inglaterra, elogia Bismarck. Ele não poupa nada: jornais, medicina, atores, estudantes... "A juventude se apequenou terrivelmente!" Durante um único almoço ele consegue resolver centenas de problemas, mas, o que é mais terrível, os convidados para o almoço escutam esse homem pesado e lhe fazem coro. Ele, que só fala coisas sem pé nem cabeça e vulgaridades, ainda é mais inteligente do que as visitas e consegue ser um autoridade.
   - Atualmente nós não temos bons escritores! - suspira ele em cada almoço, e essa convicção não foi tirada dos livros. Ele nunca lê nada - nem livros, nem jornais. Confunde Turguêniev com Dostoiévski, não compreende as caricaturas nem as piadas e, tendo lido por conselho de Liôlia um livro de Shedrin, achou que esse autor escreve "de maneira nebulosa".
   - Púchkin, ma chère, é melhor... Púchkin tem coisas muito engraçadas! Eu me lembro que li...
   Depois do almoço ele vai para a varanda, senta-se numa poltrona macia e fica pensando, de olhos semicerrados. Fica assim muito tempo, concentrado, carrancudo e de cenho franzido... Sobre o que ele pensa, Liôlia não consegue saber. O que ela sabe é que, depois de pensar durante duas horas, ele não fica nem um pouquinho mais inteligente e continua a dizer disparates. À noite, jogo de cartas. Ele é meticuloso ao jogar. Pensa muito antes de fazer um jogada, e se um dos parceiros comete um erro, ele, com sua voz clara, nítida e regular, expões as regras do jogo, Depois do baralho, quando as visitas vão embora, ele bebe daquelas mesmas águas e, com cara preocupada, deita-se para dormir. Durante o sono ele fica imóvel como um tronco de árvore. Vez por outra ele fala durante o sono, mas o que ele diz é também sem pé nem cabeça.
   - Cocheiro! Cocheiro! - Liôlia o ouviu dizer na segunda noite após o casamento.
   A noite inteira ele emite ruídos no nariz, no peito, na barriga....
   Isso é tudo que Liôlia pode dizer sobre ele. Agora, parada junto à cerca, ela pensa sobre ele, compara-o com todos os homens que ela conhece e acha que ele é o melhor de todos: porém, não se sente mais confortada por isso. O terror sagrado de Mle Morceau prometia mais.      

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Garota. Em seus 20 e poucos anos bem ou mal vividos (quem sabe?!). Olhos fatigados de vida (suicida).

Já se passou cheiro de flor, tombo de bicicleta, o primeiro beijo, o segundo... cama, homem, mulher, drogas... Vida plena (?) cheia de história para os netos.

Solteira!

Até quando?

Quer saber.

Mas não fala.

Segue.

De cabeça baixa, passos rápidos, encontra as amigas da escola, e tudo está bem.

Conversa sobre roupas novas, festa no sábado, cervejinha no domingo...

Uma vida alheia a minha, que passa pela calçada.

Penso.

Crio.

Ilusão ou realidade, não se sabe.

Nem se quer saber.

Nem se vai saber.

Tanta vida no mundo e apenas mais uma das tantas que não vou conhecer.

No fundo ela quer o que quer toda mulher seja feminista, socialista, analista de sistema, frentistar... uma casa com chaminé, filhos e marido pra fotografia, uma árvore de maçã e o um sol feliz no canto da folha!