quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Lawrence Ferlinghetti

''Olhei para minha terra natal
e não vi anjo nenhum.
Gosto daqui
e nem penso voltar
para donde vim.
Tenho perambulado solitário
como as multidões
Já tentei o silêncio
o exílio e a astúcia.
Útero ulterior
estou farto dele.
Tenho viajado.
Ouvi Debussy
filtrado por um lençol.
Ouvi pássaros
ressoando como sinos.
Tenho visto estátuas de heróis
nos entrocamentos.
Quem diria
a alma também tem crises.
Eu sofri
um pouco.
Não sofri em público.
Sou jovem demais para morrer.
Eu tenho planos para o futuro.''

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Michel Melamed



"porque verdade sem amor é crueldade
porque ainda tem...
ainda tem pias injetando dias
mulheres dizendo “você não me conhece”
ainda tem...
mesmo que precisão seja coisa pra quem julga
e não pra quem se entrega às esferas
e ainda tem hoje
o dia inteiro ainda tem
e ainda tem a vida toda
o que resta da vida toda
e os restos de todas as vidas
e as novas e dessas as que virão
e as que não
as tanto, as não, as nem
ainda tem
um enigma não é espantalho
que também tem
porque enigma não é espantalho
quem também tem
mesmo que ninguém saiba decifrá-lo
e ainda tem
um trem e uma rima
ainda tem uma menina correndo
de vestido rosa contra um fundo verde"



segunda-feira, 28 de setembro de 2009

"You'd rather cry. I'd rather fly!"

Transcrição de música de órgão

"A flor na jarra na manteiga de cacau que estava antes na
cozinha, contorcida para chegar até a luz,
a porta do armário aberta porque o usei há pouco, continuou
gentilmente aberta esperando-me, seu dono.

Comecei a sentir minha miséria no catre sobre o chão,
escutando a música, minha miséria, é por isso que eu quero cantar.
O quarto fechou-se por cima de mim, esperava a presença
do Criador, vi minhas paredes pintadas de cinza e
o forro, elas contêm meu quarto, ele me contém
e o céu contém meu jardim,
abro minha porta
O pé da trepadeira subiu a pilastra do chalé, as
folhas da noite lá onde o dia as havia deixado, as cabeças
animais das flores lá onde havia aparecido
para pensar ao sol

[...]

A suava busca de crescimento, o gracioso desejo de
existir da flores, quase meu êxtase de existir no meio delas.
O privilégio de testemunhar minha própria existência -
você também deve procurar o sol...
Meus livros empilhados à minha frente para meu uso
aguardando no espaço que os coloquei, eles não
desapareceram, o tempo deixou seus restos e qualidades
para que eu os usasse - minhas palavras empilhadas,
meus textos, meus manuscritos, meus amores.

Tive um lampejo de claridade, vi o sentimento no
coração das coisas, saí para o jardim chorando.
Vi as flores vermelhas na luz da noite, o sol que se
foi, todas elas cresceram em um momento e estavam
aguardando paradas no tempo para que o sol do dia
viesse e lhes desse...
Flores que num sonho ao anoitecer eu reguei
fielmente sem perceber o quanto as amava.
[...]

A música desce, assim como desce o pesado ramo
cheio de flores, pois assim tem que ser, para continuar
vivendo, para continuar até a última gota de alegria.
O mundo conhece o amor no seu assim como na
flor, o solitário mundo sofredor.
O Pai é piedoso.

[...]

E o Criador me deu um instante da sua presença para
satisfazer meu desejo, para que eu não me desiluda no
anseio de conhecê-lo"

Allen Gisnberg